Oleg Almeida: poeta e tradutor
Entrevista concedida a Julianny Mucury para o programa "Tirando de letra" da UnBTV em 30 de janeiro de 2014 e divulgada a partir de 15 de fevereiro de 2014
Parte I
Julianny Mucury: Olá! No "Tirando de letra" de hoje a gente cumpre uma promessa. Sempre é bom cumprirmos promessas nossas com vocês [os espectadores] e com você, né, Oleg?
Oleg Almeida: Claro...
JM: É que no final da sua última entrevista, quando você falou de um livro de sua autoria, da escrita sua, a gente mencionou para o público essa tradução de Crime e castigo que você estava levando então a cabo...
OA: É isso aí...
JM: E hoje a gente a trouxe, lindamente, fechada a obra... Bem-vindo!
OA: Obrigado, Julianny... Então, essa tradução minha do romance Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski, acaba de ser lançada pela editora Martin Claret, em São Paulo. O lançamento teve lugar em novembro de 2013, do ano passado... Agora esse livro já se encontra à venda em todas as livrarias, em todas as principais redes livreiras do Brasil, e hoje eu gostaria de contar um pouco sobre esse trabalho meu, sobre essa tradução: como é que cheguei a efetuá-la.
JM: Eu vou te lançar duas coisas que sempre ouço nesses seminários de tradução...
OA: Certo...
JM: "O tradutor é um traidor"? Queria que você comentasse isso. E "não há como traduzir sem que o tradutor seja um artista", também... Vamos começar por aí.
OA: Olha, Julianny... Quando eu recebi o convite da editora Martin Claret para efetuar essa tradução, fiquei muito surpreso e até mesmo, de certa forma, amedrontado: por um lado, era uma daquelas obras que qualquer tradutor profissional gostaria de traduzir um dia, fosse qual fosse o seu idioma, e, por outro lado, eu me dava conta daquelas inúmeras dificuldades que iria enfrentar nesse processo de tradução. Primeiro, é o volume do livro, o tamanho físico desse livro que tem mais de 500 páginas Word, quando você o traduz no computador. Por outro lado, é a linguagem de Dostoiévski: não é aquela linguagem russa contemporânea que é falada hoje; é a linguagem coloquial da Rússia do século XIX, usada em meados do século XIX pela população russa, pelas mais diversas camadas populacionais da Rússia. Ao mesmo tempo, já existem várias traduções dessa obra – aqui no Brasil e em Portugal, no espaço lusófono –, e, desse modo, eu iria, inevitavelmente, rivalizar com outros tradutores e com outras traduções. Tudo isso me deixou perplexo e até mesmo amedrontado. No entanto, ao cabo de um imenso trabalho que levou, mais ou menos, um ano e meio, o livro foi, afinal de contas, lançado. O que é que posso dizer sobre esse livro? O tradutor nem sempre é traidor, nem sempre... Isso depende tanto da qualidade técnica das suas traduções quanto da complexidade do original com que ele está lidando. No caso específico de Dostoiévski (eu gostaria de comentar um pouco sobre isso), no mundo ocidental, fora da própria Rússia, existe uma visão errônea de Dostoiévski, eu acho... Existe uma forte tendência a divinizar Dostoiévski, a transformá-lo num profeta bíblico, numa espécie de ente sobre-humano, no maior filósofo de todos os tempos, etc., etc. Na própria Rússia, os cientistas, os pesquisadores que têm acesso aos originais desse escritor, demonstram uma visão muito mais sóbria e reservada da personalidade de Dostoiévski...
JM: Pois a Cronologia que você apresenta aqui, na abertura do livro, humaniza Dostoiévski: você traz para a realidade quem foi esse autor...
OA: Exatamente isso... Eu procurava mostrar que Dostoiévski não era um deus, não era nem semideus nem herói nem profeta, que era um homem absolutamente igual a qualquer outro homem, com suas altas e baixas, com seus defeitos, com suas dificuldades, que teve, inclusive, uma vida ordinária, a de qualquer outro homem, mas, ao mesmo tempo, uma vida extraordinária por conta daquelas aventuras e reviravoltas que ele viveu. O cara ficou preso por motivos políticos, passou cerca de dez anos na Sibéria, depois ficou, durante muito tempo, viciado em jogos de azar – gastava praticamente tudo o que ganhava com a literatura em jogos de azar, chegava a penhorar os pertences da sua família, abandonava a própria família, ia ao estrangeiro, acabava preso por dívidas – e foi só nos últimos anos de sua vida que ele chegou ao reconhecimento literário, foi aclamado como um grande escritor e teve a possibilidade de viver daquilo que escrevia, ou seja, virou um escritor profissional. De certa forma, tudo isso, todos esses detalhes transparecem nas obras dele. Por isso, inclusive, eu elaborei essa Cronologia biográfica que abre a minha tradução de Crime e castigo, para que os leitores saibam quem era esse homem e por que ele escrevia assim e não assado.
JM: Hum... hum...
OA: Acontece também que dizem, no mundo ocidental, que Dostoiévski é um grande estilista... Mas, na verdade, ele escreveu a grande maioria das suas obras por dinheiro, por mero interesse financeiro: quanto mais escrevia, tanto mais ganhava com isso...
JM: E isso explica um pouco dessa psique dos personagens dele, seus conflitos de interesses...
OA: Exatamente... Quando você lê o original russo (acho que pouquíssimos tradutores, pelo menos, dentre aquelas traduções a que eu tive acesso, pouquíssimas pessoas conseguiram reproduzir adequadamente esse estilo dostoievskiano, com suas repetições, com erros lógicos, com aqueles pulos de um tema para o outro que ele fazia, com corruptelas léxicas...), tudo isso, quando você lê o original de Dostoiévski, causa estranhamento, e você não apenas fica empolgado com a própria leitura, interessado em saber o que vai acontecer com os personagens do romance, não só isso. Você também sente esse estranhamento léxico que surge a cada passo, que você enfrenta no próprio processo de leitura. E eu, para ser o menos traidor possível em relação a Dostoiévski, fiz de tudo, literalmente de tudo, para transpor esse estranhamento do original russo para a minha tradução portuguesa. Por isso é que preservo, na medida do possível, todas as particularidades do estilo autoral de Dostoiévski, todos aqueles pulos, todos aqueles erros, todas aquelas falhas léxicas, corruptelas, frases truncadas, frases estranhas, frases que soam de modo estranho no original russo... Então esses fragmentos, esses trechos devem soar do mesmo jeito estranho na minha tradução...
JM: E aí a gente cai no próximo desafio, quando a sua tradução cai nas mãos de um revisor...
OA: Certo...
JM: E aí, como é que funciona o embate entre o tradutor e o revisor que tem de adequar a tradução a esse discurso lógico, retilíneo?...
OA: Exatamente... É que acontece o seguinte... Como se diz na própria Rússia, que tem, eu acho, uma das melhores escolas de tradutores no mundo inteiro, "Deus nos livre dos revisores"! Assim é que dizem os tradutores de lá. Acontece o seguinte... É claro que, em se tratando de erros, de falhas cometidas pelo próprio tradutor... É que não somos impecáveis também, sobretudo quando se trata de um trabalho muito rápido – você precisa entregar o texto já pronto, por exemplo, no dia 10 ou dia 20, mas o texto ainda não está pronto, e você tem de trabalhar...
JM: ... exaustivamente...
OA: ... de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, qualquer hora e qualquer dia. Isso se reflete, de certa forma, na qualidade técnica da tradução. Mas, se erra, se peca o próprio autor, então eu não vejo outra saída senão ter que errar e pecar com ele. Aí surge certo conflito de interesses, e o tradutor precisa ser muito persuasivo, muito convincente em suas negociações com a editora para mostrar que realmente foi o autor quem escreveu desse modo, que não é nenhuma invenção, nenhuma tentativa de denegrir a imagem do próprio autor, que simplesmente foi escrito assim, que então seria um engano, seria uma falta de honestidade, eu acho, para com os futuros leitores, ocultar essas partes que talvez não sejam tão bonitas em outro idioma, na língua portuguesa como em nosso caso. Por isso o tradutor não apenas traduz: ele tem de convencer a editora de que o trabalho dele é exatamente assim, de que não se trata de nenhuma invenção sua...
JM: E nisso consistem a arte e o labor da aproximação de um idioma, como o russo, do português brasileiro...
OA: Exatamente... São dois idiomas muito diferentes entre si, extremamente diferentes... Só um exemplo...
JM: Hum... hum...
OA: ... Ali há um episódio cômico. Além de tudo, Dostoiévski é um grande satírico, um mestre de cenas cômicas, de cenas que fazem o leitor rir. Ele escreve sobre uma alemã radicada em São Petersburgo que, por causa de um escândalo, é chamada para a delegacia, e ela depõe com aquele carregado sotaque alemão, de forma que não dá para entender quase nada, usando um russo muito estropiado que, não obstante, corresponde ao original de Dostoiévski... Está tentando explicar que, na verdade, não houve escândalo algum, que estão tramando contra ela, alguma coisa assim, e o delegado, para cortar esse fluxo verbal que nem sequer entende direito, diz... aí Dostoiévski usa um eufemismo para substituir uma frase muito feia, uma frase muito contundente em russo... ele diz: "Такая, сякая и разэтакая". Essa frase não significa nada em russo, absolutamente nada, mas uma pessoa para quem a língua russa é materna, nativa, entende que é simplesmente uma tentativa de substituir uma rajada de palavrões que aquele delegado usa para calar a boca da alemã...
JM: Mas como traduzir isso?
OA: Eu traduzo... Fiquei muito tempo pensando nisso...
JM: Hum... hum...
OA: ... e achei uma coisa também engraçada, uma coisa cômica, dizendo: "Olha... assim, assada e desossada". Isso não significa nada em português, mas, quando você fala desse jeito, pode ser que o autor subentenda exatamente aquela frase feia, aquela frase contundente que ele usa, e o leitor se põe no lugar daquele delegado e fica pensando: "O que é que eu falaria nessa situação"?
JM: ... para interromper um fluxo...
OA: Exatamente, para interromper aquele fluxo verbal que não faz sentido algum. E, o que atrapalha muito o processo de tradução, o que torna esse processo lento, demorado e, às vezes, irritante, é que tais frases, essas locuções, compreensíveis no original russo, mas que não fazem sentido algum em português, aparecem a cada página. E é por isso que o tradutor tem de ser artista, tem de ser escritor, tem de se colocar no lugar do autor e pensar: "Como é que faço para os leitores de outro idioma, de outra expressão linguística, entenderem?" Se não, não faz sentido traduzir. A mesma coisa ocorre com as corruptelas que Dostoiévski usa, porque ele próprio, como fidalgo, não dominava aquela linguagem do povão, mas sempre queria usá-la para mostrar que fala, realmente, um representante da multidão, outro representante do submundo, e tal...
JM: É por onde os personagens estão seguindo...
OA: Exatamente... Quanto a Crime e castigo, basicamente todo esse romance transcorre no submundo de Petersburgo...
JM: Não... agora suspende... Isso é um suspense para você não deixar a gente. A gente volta já, já, no próximo bloco. Fica aí.
Parte II
Julianny Mucury: Então, neste segundo bloco, a gente entra, de fato, naquilo que é dito em Crime e castigo. E você mesmo faz uma introdução a respeito dessa história que, para mim... Eu não queria tê-la encontrado tão cedo quanto a encontrei, porque não atingi a complexidade do pensamento desse personagem... O que é que Dostoiévski propõe quando nos coloca esse questionamento a respeito de tantas coisas tão importantes da conduta humana?
Oleg Almeida: Acontece o seguinte... Por um lado, o roteiro, a parte externa desse romance não tem nada de muito complexo, porque ele descreve algumas semanas ou, no máximo, alguns meses da vida desse personagem principal, do assassino Raskólnikov, que mata, por mero interesse financeiro, para roubar mesmo, a velha agiota, a usurária, rouba, mas depois, atormentado pela consciência, atormentado pelos remorsos que Dostoiévski descreve com uma incrível exatidão psicológica, nem usa aquele dinheiro roubado, mas esconde aquele dinheiro debaixo de uma pedra e, ao cabo de alguns meses, entrega-se à polícia porque não consegue mais sobreviver com esse peso na consciência. Mas o que atrai a atenção, é, primeiro, a maneira como Dostoiévski descreve esse seu personagem. A gente sente a presença física desse personagem, como se estivéssemos andando com ele pelas ruas de São Petersburgo – aquele verão muito quente, fedor de tinta, prédios em construção, aquelas carroças que passam pelas ruas, gritaria, algazarra, palavrões, ou seja, todo aquele ambiente de São Petersburgo da época que Dostoiévski conhecia de perto (ele morava lá) e descreveu também como se fosse uma reportagem policial, um escrito...
JM: ... do jornalismo literário...
OA: Exatamente... Ele descreveu aquilo como se não fosse um romance, como se escrevesse folhetins para um jornal. Assim, a exatidão dessa narrativa é extrema. E, primeiro, a gente sente uma revolta com essa presença física do personagem, a gente chega a odiar o assassino Raskólnikov, porque esse comportamento dele, esse seu modo de andar, de comer e de beber – tudo isso gera repulsa, é tudo repulsivo: Dostoiévski descreve o comportamento cotidiano dele muito bem. Por outro lado, quanto mais nós avançamos na leitura, quanto mais perto chegamos do fim, a gente começa a sentir certa compaixão pelo assassino, porque surge esse drama dos remorsos, da sua consciência doente. Afinal de contas, Dostoiévski não mostra (como qualquer grande escritor) o futuro dele, mas deixa os próprios leitores pensarem a respeito: cada um pode terminar a história de Raskólnikov como quiser, do seu jeito. Mostra, no epílogo do romance, o processo judicial contra ele e sua condenação. Raskólnikov fica condenado a trabalhos forçados e vai para a Sibéria (Dostoiévski também conhecia muito bem esse lado da Rússia) e lá acontece a transformação espiritual dessa pessoa, ele se torna um novo homem. Mas que homem ele se torna, Dostoiévski não conta sobre isso: diz apenas que poderia ser uma outra história, mas "a história de hoje está terminada"...
JM: Hum... hum...
OA: Assim é que ele termina o romance. E o que é forte em Crime e castigo, é exatamente esse lado psicológico. Na época de Dostoiévski ninguém – nem na Rússia nem nos países europeus – escrevia dessa maneira. A escrita psicológica dessa intensidade só aparece na literatura mundial no século XX, a começar por Kafka e esses escritores impressionistas, já no início do século XX, ou seja, Dostoiévski antecipou esse processo, começando a escrever nesse estilo com muita antecedência, com 50 anos de antecedência. Na época dele, ninguém escrevia desse jeito, inclusive nem todos entenderam esse romance na época dele. Os críticos achavam a história banal: não acontece nada, ele só anda, pensa lá alguma coisa e...
JM: ... e mata...
OA: Exatamente... Encontra-se com poucos personagens, e todos esses personagens são distorcidos, qualquer personagem apresenta algum distúrbio psíquico, alguma anormalidade em seu comportamento...
JM: E aí tem de se desconstruir esse maniqueísmo, porque todos nós somos, de fato, algo desconhecido...
OA: Certo...
JM: ... e acho que o livro endossa isso brilhantemente...
OA: É...
JM: ... até onde se conhece a nossa própria conduta...
OA: O que acontece é o seguinte... Às vezes, eu me pergunto se o próprio Dostoiévski pensava assim ou se escreveu Crime e castigo naquele estilo de escrita automática, realmente movido por inspiração, já que, como se sabe, a inspiração vem ninguém sabe de onde nem como. Talvez tenha sido isso, porque, quando começava a escrever esse romance, ele não tinha, simplesmente, o que comer, não tinha com que alimentar a sua família e escreveu (é um episódio muito interessante da biografia de Dostoiévski) para Katkov, que era um grande mecenas, um milionário russo que financiava várias edições literárias, escreveu assim: "...Olha, já tenho um romance praticamente pronto..." (na verdade, não tinha escrito uma só palavra, ou seja, tentava vender à editora uma folha de papel em branco). "Vamos escrever sobre esse problema de alcoolismo, e o romance vai chamar-se ‘Os bebidinhos’..." Esse "bebidinhos" é um neologismo que ele inventou, ou seja, "bêbados, mas não muito, bêbados, mas nem tanto". E o milionário respondeu: "Não, não vamos escrever sobre isso, porque ninguém ficará interessado, ninguém vai comprar esse romance. Se fosse alguma coisa sobre o crime...". Ali Dostoiévski reage no mesmo dia: "Vamos escrever sobre o crime, sim: tenho aqui um desígnio brilhante. E esse material sobre os bebidinhos, vamos incluí-lo no texto". Assim aparece essa figura caricata de Marmeládov, que anda bêbado o tempo todo, que é muito viciado, e Dostoiévski coloca na boca dele essas grandes filosofias sobre o sentido da vida: "Por que é que a gente bebe? Porque não tem como não beber na Rússia, com esse despotismo todo..." e assim por diante. Talvez Dostoiévski nem imaginasse, na época, aonde o levaria essa inspiração espontânea. É que ele próprio, como consta das suas cartas, dos diários pessoais, das memórias daquelas pessoas que conheciam o escritor, escrevia para ganhar dinheiro, para se livrar daquela penúria em que vivia com sua família. E o resultado foi esse romance que alguns críticos acham um dos maiores romances de todos os tempos.
JM: Por quê?
OA: Porque Dostoiévski, na minha opinião pessoal, abre mão do elemento épico, abandona esses acontecimentos...
JM: ... extraordinários...
OA: ... sim, extraordinários, mirabolantes, quer seja a guerra, por exemplo, como em Guerra e paz de Tolstói, quer seja a fantasia folclórica popular, como, por exemplo, nos contos de Gógol. Ele escreve sobre um homem comum, um homem que pode ter vivido em qualquer época, em qualquer país. O mesmo crime poderia ter acontecido em nossos dias, aqui em Brasília: eu não ficaria surpreso com isso.
JM: Hum... hum...
OA: E ele mostra o lado psicológico, o lado interno desse homem...
JM: ... o conflito interno dele...
OA: Exatamente... do homem que sofre. Ou seja, não é aquele herói romântico que mata lá um bocado e depois é proclamado, realmente, herói e não sente nenhum arrependimento disso e continua vivendo, como se de nada se tratasse...
JM: ... Como Napoleão, por exemplo... O que Napoleão faria?
OA: Exatamente esse questionamento surge no texto de Crime e castigo. Contudo, Raskólnikov não é nenhum Napoleão. É uma pessoa comum que realmente poderia ter vivido em qualquer país, em qualquer época... E Dostoiévski mostra que a vida humana não são apenas aqueles acontecimentos externos que a compõem, que vivemos não apenas por fora como, principalmente, por dentro. Na época ninguém escrevia dessa maneira; Dostoiévski foi, nesse ponto, um grande pioneiro...
JM: ... da escrita psicológica...
OA: ... sim, e não apenas das letras russas como também das letras europeias. Inclusive, na Europa esse romance foi aclamado, ainda na época dele, mais do que na própria Rússia. Assim sendo, esse romance é absolutamente atemporal, ou seja, você o lê e, apesar de certo arcaísmo do estilo, apesar dos detalhes físicos daquela época quando não havia carro nem Internet, percebe que não muda nada, pois a natureza humana continua a mesma em qualquer época. E, hoje em dia, a gente lê esse romance com o mesmo interesse, como se fosse algo contemporâneo.
JM: E o resultado final o agrada, quando você lê a obra acabada e publicada?
OA: Na verdade, eu não gosto de ler nem as minhas próprias obras, depois de publicadas, nem as minhas traduções, porque sempre surge aquela dúvida de que poderia fazer melhor, levar tal obra mais adiante. Todavia, isso não faz mais sentido, porque a obra se encontra publicada...
JM: Hum... hum...
OA: ... e já está no mercado, inclusive. Mas, nesse caso específico, estou muito satisfeito com o resultado, já que a tradução apareceu exatamente como a tinha feito, exatamente dessa maneira. Nada foi mudado, praticamente, nessa tradução, e eu acho que consegui, em primeiro lugar, reproduzir na tradução portuguesa aquele estranhamento, aquela tensão, aquela impressão ambígua, sabe, multifacetada que surge nos leitores do original russo. Pelo menos, fiz de tudo para isso. Dessa maneira, fico contente com o meu trabalho...
JM: Eu lhe agradeço...
OA: Espero que os leitores também o apreciem.
JM: Eu também... Queria ter uma forma de a gente colher um pouco dos resultados disso. Acho que a gente ainda vai encontrar-se muitas vezes...
OA: Sim, eu acho que sim, porque só faz dois meses que o livro saiu do prelo, e por enquanto não tenho visto muita reação nem na Internet nem...
JM: ... na crítica da tradução, não é?
OA: Seria interessante saber, isso é incontestável... seria interessante saber o que os leitores pensam a respeito dessa tradução, porque, afinal de contas, o tradutor não trabalha por si só, ele trabalha em benefício dos leitores...
JM: ... inclusive, para promover mais o original...
OA: E, nesse ponto, eu fiz de tudo para que os leitores ficassem contentes.
JM: Então fica aí um convite para você, a fim de aproximar-se dessa leitura que já está disponível e bem disponível. Essa é uma edição de luxo; há uma edição simplificada também, com a mesma tradução do Oleg. Eu acho que vale muito a pena, não só para estudantes de Letras, mas também para todos os leitores de Dostoiévski, compararem, principalmente, as versões do romance...
OA: Sem dúvida...
JM: A gente se encontra ainda, Oleg... Fique aí para você ver isso. Até o próximo "Tirando de letra". Tchau, tchau.