Oleg Almeida: poeta e tradutor
MADRIGAL
Eu vivia como todo mundo vive:
caminhava rápido, falava baixo;
tinha muito medo da violência,
da doença crônica, da grana curta
e, principalmente, do fim que viria.
Os meus sonhos tinham-se desbotado.
Não gostava eu nem da lua cheia,
nem do sol tocando na minha pele;
só o vinho tinto – ele sim! – às vezes,
dava-me um pouco de reconforto.
Ao ouvir alguém se dizer, com verve,
felizão nos braços da namorada,
eu ficava triste, porque achava,
sem acreditar em quaisquer amores,
que estivesse o moço exagerando.
Em resumo, a minha vida se parecia
com aquela de Thomas Crown (lembras do filme antigo?),
sendo meio tédio meio azáfama;
de repente, fez uma cambalhota,
isto é, mudou de forma definitiva.
Eu abri os olhos e vi-me num campo
que milhões de flores ornamentavam.
Juro-te, milhões de viçosas flores
cuja variedade me deixaria,
noutras circunstâncias, indiferente.
Era pitoresca a paisagem feita,
qual uma alcatifa, de fios policromos,
e havia nela uma luz intensa,
como se o sol e a lua juntos
em seus raios místicos a banhassem.
Mais ainda, claras as perspectivas
antes encobertas, tudo se transformara –
cheiro do café, silêncio da noite,
frio da invernia, murmúrio do vento,
cor do papel – num autêntico arco-íris!
Entretanto, não ocorrera essa mudança
por mera sorte nem por magia negra.
Foras tu que entraras em minha casa
e das janelas, que para o belo campo deitavam,
tiraras as encardidas cortinas.
Hoje reconheço que meu vinho tinto
não contém um pingo de alegria.
Que viver contente valha ouro, sustento;
mas viver contigo vale... Epa, moleque!
Vale não: quem ama, contar não sabe.