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AUTORRETRATO*

 

Não quero ser político

nem empresário, nem executivo;

ainda menos, líder da maioria vitoriosa.

Não me agita a expectativa

de viver preso ao telefone,

de dar entrevistas a torto e a direito,

de prestar contas ou, guarde-me Deus, depoimentos

no fim da jornada.

Não é que pregue a inércia

que, aliás, não faz parte do meu caráter,

mas, vendo o ápice do Olimpo coberto de nuvens,

duvido que valha mesmo a pena atingi-lo.

De modo nenhum me seduz a glória,

sobretudo a póstuma,

bem como a opulência exagerada,

pois, com o tempo, esta perece nas baixas da bolsa

ou passa a juntar as baratas,

enquanto aquela cede lugar a outros louvores

falsos ou fidedignos.

Não é que me curve perante a realidade,

mas, certo de que nas pontas da básica equação

ficam o tombo e o coqueiro igualmente concretos,

acho mais razoável manter-me na defensiva,

distante dos cargos de alto nível.

Não gosto, enfim, de vestir-me de preto e branco,

tampouco de integrar os esquemas

montados pela vontade alheia:

temo as cores monótonas,

e deixa-me cético a simetria que se alinha à morte.

Não é que seja covarde por natureza,

mas, apegado a tradições milenares,

prefiro a lancha ao navio

e ao trombone, a flauta.

O íntimo sonho que tenho

consiste apenas em acordar cedinho –

toda manhã, de domingo a sábado – ,

abrir os olhos nessa penumbra cinzenta,

pela qual se costuma julgar de como será o dia recém-nascido,

ao lado da mulher amada,

que dorme de bruços, nua e confiante,

beijar os ombros aveludados dela

e, dando-me conta de que estou vivo,

agradecer, humilde, a quem criou a vida

por tê-la criado tão simples e cheia de bagatelas maravilhosas.

Numa palavra, evito acrescentar ao que foi concebido pequeno,

e, dada a mínima diferença entre vencido e vencedor,

não quero ser Davi nem Golias...

Quero ser Eu.



*Menção honrosa do 3º Concurso Nacional de Poesia Filogônio Barbosa: Colatina/ES, 2007.

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