Oleg Almeida: poeta e tradutor
ODE A BRASÍLIA
Brasília...
Cidade festiva, cidade tristonha,
cidade de siglas e algarismos,
de pleitos, escândalos e portarias,
tulipa de ferro plantada no meu coração.
Brasília...
Cidade sem raça, morena e branca,
cidade dos grandes chefões e pequenos ciclistas,
em cujo falar misturou-se o "erre" do Sul com o "tê" nordestino,
cidade de sonhos e pesadelos,
cidade da gente.
Vós fostes severa comigo, Brasília:
brigastes por nada,
servistes-me pratos azedos,
fizestes com que me sentisse bastardo
no meio dos filhos legítimos vossos,
porém não untastes com fel minhas falas baldias!
Quem sois para mim:
a menina que vende paçoca nas ruas;
a moça gastando três contos na ida pro Plano,
três contos na volta dali;
a mulher, cuja vida seria um filme francês,
se não fosse verdade?
Quem sois: minha prima, irmã ou madrasta?
Não sei, realmente não sei;
moraria em outro lugar, se soubesse!
Quem sou para vós:
forasteiro sem eira nem beira,
bichinho exótico,
homem que, lendo o "Correio", não perde frieza,
caçula que tanto amais?
Não sabeis...
Se soubésseis,
talvez me tivésseis tratado de outra maneira,
mais branda e menos sincera.
Então, somos quites, Brasília,
cidade alheia, cidade querida,
pois, feitas as contas,
merece favores mundanos e graças divinas
quem anda descalço por pedras em gume;
aqueles que usam coturnos, pisando o capim, desmerecem.
E pelo rigor com o qual me curastes de vãs ilusões,
ensinando o moral dos pioneiros,
eu fico-vos grato, Brasília,
meu duro amor!