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Entrevista concedida a R. Roldan-Roldan e publicada (parcialmente) no jornal Correio popular de Campinas em 07 de agosto de 2012

 

Entrevista com o Poeta e Tradutor Oleg Almeida

 

Minha matéria de julho abordava a migração da arte, citando casos de escritores, cineastas, atores, cantores e artistas plásticos que deixaram seus países de origem para fincar raízes alhures. Neste artigo enfoco um desses casos de migração artística, entrevistando o poeta e tradutor Oleg Almeida, autor de Memórias dum Hiperbóreo e de Quarta-feira de Cinzas e Outros Poemas e tradutor (do francês para o português) de Os Cantos de Bilítis, de Pierre Louÿs, e de Canções Alexandrinas (do russo para o português), de Mikhail Kuzmin. Oleg Almeida nasceu na Bielorrússia, quando este país fazia parte da União Soviética, formou-se em Letras e pós-graduou-se em Administração Financeira na Rússia. Radicou-se no Brasil e se naturalizou brasileiro.

 

R.Roldan-Roldan – Toda língua está intrinsecamente ligada à cultura do país onde é falada. Para alguns escritores a mudança de língua como meio de expressão profissional pode ser um drama – como no caso trágico de Stefan Zweig, que não chegou a escrever em português. Nabokov, Ionesco e Beckett se deram melhor. Não é fácil deixar de lado toda uma herança linguística e cultural e adaptar-se a um novo mundo para se expressar como autor. Como se deu, intelectual e culturalmente, a sua integração no Brasil?

Oleg Almeida – A emigração é sempre o fim de uma vida e o início da outra. Como se sente uma pessoa que volta à estaca zero com mais de 30 anos de idade? Sente-se, digamos, como uma planta desarraigada e transferida do jardim para o campo: se não morrer logo, adapta-se, aos poucos, e continua crescendo… O choque cultural que vivi no Brasil foi imenso, mas, felizmente, passageiro. Espero ter aprendido a aceitar o Brasil tal como é.

RRR – A União Soviética, em que pesem os defeitos do regime, sempre zelou de modo exemplar pela cultura. O que não acontece no Brasil, onde a cultura é relegada a um plano lamentável. Isso o surpreendeu? O decepcionou?

OA – Não obstante todo o meu cosmopolitismo, identifico-me como escritor brasileiro e, desse modo, não me conformo com a situação de que está falando. Não digo, no entanto, que ela me deixa surpreso. De certa forma, já vim ao Brasil vacinado contra esse tipo de decepções. A Rússia pós-soviética atravessa semelhante período de decadência cultural, com o bestseller americano na livraria e o blockbuster da mesma origem no cinema, e o governo dali não parece preocupado com isso. Acho, aliás, que a produção artística está em processo de padronização pelo mundo afora.

RRR – O que é escrever para você?

OA – Uma das poucas alegrias que a vida me proporciona.

RRR – Você morreria pela poesia como sugeria Rilke?

OA – Oxalá tal sacrifício não se faça necessário (risos)! E, se falar sério, cada poeta de verdade morre um pouco em razão de sua arte: daqueles versos que jorram com sangue, no dizer de Pasternak, e daquelas indiferença e negação que rodeiam, desde sempre, a poesia… Em todo caso, é melhor morrer de versos que de drogas!

RRR – O humanismo colocou o Homem no centro do Mundo. O neoliberalismo colocou o lucro como centro do Planeta. Essa aberração se reflete não só na sociedade, mas também, claro, nas artes. O humanismo na literatura está de fato fora de moda?

OA – Minha resposta se esconde na sua pergunta. A questão é, antes de tudo, econômica. No mundo contemporâneo, o livro representa, na maioria das vezes, uma mercadoria que precisa ser vendida. É claro que a violência e o esoterismo, ambos de gosto duvidoso, lucram muito mais do que esses abstratos e angustiantes "valores humanos", sejam eles clássicos ou cristãos.

RRR – A produção literária atual não só não é humanista, como é absolutamente alienada e, em grande parte, descartável. Você concorda?

OA – Em gênero, número e grau. Em que consiste a ideologia consumista aplicável, inclusive, à literatura? Em usufruir e jogar fora… É sorte nossa que as vendas de uma obra literária em si não garantam a imortalidade dela! Paul de Kock e Vsêvolod Krestóvski tiveram enorme sucesso comercial no século XIX (na França e na Rússia respectivamente), e quem se lembra deles agora? Tão só os especialistas e olhe lá. Suponho que o porvir da literatura vampiresca, que está em voga de uns anos para cá, seja o mesmo.

RRR – A literatura não é mais capaz de mudar algo num país como acontecia nos séculos XVIII, XIX e na primeira metade do século XX. Nesse sentido foi substituída pelos modernos meios de comunicação, como a internet?

OA – A meu ver, o papel da Internet é principalmente técnico. Ela fornece aos habitantes da "aldeia global" de McLuhan o meio de acessar e compartilhar informações de modo fácil, prático e irrestrito; os recentes acontecimentos no Oriente Médio comprovam a importância da rede nesse sentido. Ao mesmo tempo, não creio que a Internet esteja prestes a substituir o livro tradicional. Na vida de nossa geração isso seria quase improvável.

RRR – O existencialismo e o engajamento de Sartre estão datados?

OA – Como um sistema filosófico, o existencialismo é atemporal. Suas máximas, por exemplo, aquela frase de Camus de que, na impossibilidade de ser santo, o homem deve agir como médico, continuam significativas até hoje.

RRR – Quais são suas influências literárias?

OA – A lista dos autores que têm sido relevantes para mim (Horácio, Púchkin, Baudelaire…) seria extensa demais, portanto me limito a citar três vertentes, ou melhor, épocas literárias: a antiguidade greco-romana, a Rússia e a França dos séculos XIX e XX.

RRR – Quais são seus poetas lusófonos preferidos?

OA – Fernando Pessoa e Alexandre O’Neill em Portugal; Tomás Antônio Gonzaga e Carlos Drummond de Andrade no Brasil.

RRR – Você disse gostar de Baudelaire. O que o atrai nele?

OA – A universalidade. Baudelaire é tudo quanto um poeta poderia ser: lírico e épico, filósofo e satírico, homem apaixonado, desiludido, revoltado… afinal, simplesmente um homem vivo e pensante.

RRR – Por que traduzir para o português Pierre Louÿs e Mikhail Kuzmin, poetas pouco lidos hoje em dia?

OA – Exatamente por isso, a fim de apresentar suas obras ao leitor lusófono, e, mais ainda, devido à qualidade estética dessas obras. Pierre Louÿs e Mikhail Kuzmin com sua visão de mundo, corajosa e jovial à grega, merecem ser lidos nos dias atuais.

RRR – A Grécia clássica está presente em seus livros. De onde vem essa nostalgia helênica?

OA – Os gregos não tinham medo de viver: desconheciam o pecado, desrespeitavam o dogma, descuidavam da conveniência. Pragmática e neurótica ao extremo, a sociedade moderna só ganharia com um raio do sol heleno nesse céu turvo. Quanto a mim, evoco a grecidade em minhas obras, porque a vida real não deixa espaço para ela.

RRR – O escritor, o verdadeiro, aquele cuja necessidade de escrever é biológica, aquele que vive exclusivamente para a literatura, aquele que não faz concessões de nenhum tipo, tem uma missão específica?

OA – A figura de escritor vem sendo desvalorizada pela onipotência do consumismo. Como você mesmo acaba de notar, o homem de letras não pode mais mudar os rumos da humanidade que tem outros profetas a seguir. Contudo, se pelo menos conseguisse persuadir uma centena de leitores sensíveis de que a vida não se resume em rangar e fazer aquilo que rima com o "rangar", sua missão algo quixotesca seria cumprida.

RRR – Algum novo livro em processo de elaboração?

OA – Tenho dois textos em cima de minha mesa: Crime e castigo de Dostoiévski, que traduzo para o português, e o meu próprio livro, uma espécie de romance experimental que gostaria de intitular A lua morena. A obra-prima de Dostoiévski prescinde de comentários, e meu romance… Bom, ainda é cedo falarmos nele: que seja uma surpresa para quem quiser lê-lo!

10-07-12

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