Oleg Almeida: poeta e tradutor
Mikhail Kuzmin
Canções alexandrinas
SABEDORIA
1
Eu perguntava aos sábios do mundo:
"Para que o sol brilha,
para que sopra o vento,
para que as pessoas nascem?"
E os sábios do mundo me respondiam:
– O sol brilha
para que haja pão na mesa
e para as pessoas morrerem de peste.
O vento sopra
para levar os navios ao porto longínquo
e enterrar as caravanas na areia.
E as pessoas nascem
para se despedirem da vida amada
e para que outros mortais delas nasçam.
"Por que os deuses assim o fizeram?"
– Pelo mesmo motivo
é que puseram em ti a vontade
de fazer essas perguntas ocas.
3
Como eu amo, deuses eternos,
o mundo belo!
Como eu amo o sol e os juncos,
e, peneirado pela ramagem fina
dessas acácias, o brilho do mar esverdeado.
Como eu amo os livros (de meus amigos)
e o silêncio da casa recôndita,
e as hortas com seus melões
que se veem da minha janela!
Como eu amo a multidão variegada na praça:
os gritos, os cantos, o sol
e o riso alegre da garotada que joga bola!
E o regresso a casa
depois dos passeios ledos,
tarde de noite,
sob as primeiras estrelas,
ao longo das estalagens iluminadas,
com um amigo já bem distante!
Como eu amo, deuses eternos,
a leve tristeza,
e o amor até amanhã,
e a morte sem lamentar a vida
que me é cara de todo,
e que eu amo, juro por Dionísio,
com todas as forças do coração
e da gentil carne!
5
Sol, ó meu Sol,
ó divino Rá-Hélio,
contigo se regozijam
os corações dos heróis e dos reis,
para ti os cavalos sagrados relincham,
a ti são cantados hinos em Heliópolis!
Quando tu resplandeces,
as lagartixas sobem às pedras
e os meninos vão, rindo,
banhar-se no Nilo.
Sol, ó meu Sol,
sou um pálido escrivão,
eremita das bibliotecas,
mas amo-te tanto, meu Sol,
quanto um marujo moreno,
cheirando a peixe e água salgada;
e como se rejubila, por hábito,
seu coração,
quando tu brotas, régio,
do oceano,
assim o meu coração freme todo,
quando teu raio poento, mas fulgurante,
passa pela janela estreita,
lá perto do teto,
e cai numa folha coberta de símbolos
e na minha mão frágil, amarelada,
que escreve com vermelhão
a primeira letra dum hino a ti,
ó Rá-Hélio, Sol!
Mikhail Alexéievitch Kuzmin (1872-1936), um dos expoentes do "século de prata" da literatura russa. Principais obras: livros de poesia, sendo Redes (1908) e As trutas quebram o gelo (1928) os mais conhecidos; romance As asas (1906); tradução d'As metamorfoses de Apuleio.