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Entrevista concedida a Carmo Vasconcelos e publicada na revista luso-brasileira EisFluências (Ano I, Número V, pp. 12-13) em 15 de junho de 2010

 

DESBRAVANDO HORIZONTES

 

À CONVERSA COM O ESCRITOR E POETA OLEG ALMEIDA

 

por Carmo Vasconcelos

 

 

C.V. – Prazer em tê-lo connosco, amigo Oleg Almeida, como reconhecido escritor e poeta e, também, como nosso prezado correspondente da Bielorrússia, sua amada pátria! Sabedores que somos de parte do seu notável percurso vivencial e literário, gostaríamos de aprofundar um pouco mais os seus aspectos criativos e pessoais.

O.A. – Muito obrigado pelo seu amável convite. É a primeira vez que uma revista internacional se dispõe a conversar comigo, e eu tenho muita coisa a dizer aos nossos leitores.

 

C.V. – É verdade que antes de se instalar no Brasil fazia versos em russo?

O.A. – É... Sempre tive interesse pela literatura e comecei a escrever ainda menino, com 9 ou, no máximo, 10 anos de idade. Meu primeiro poema foi lançado, quando estava com 17; lembro-me até hoje da pueril alegria que experimentei ao vê-lo impresso, numa coluna literária, junto dos versos de alguns autores já consagrados. Ao longo das décadas de 80 e 90, publiquei várias obras nos jornais de Gômel, minha cidade natal, revistas e coletâneas de poesia bielorrussa. Na verdade, esse período era muito propício às revelações artísticas: a tal da "cortina de ferro" acabava de esfacelar-se, e novos poetas surgiam, segundo um ditado russo, "feito cogumelos depois da chuva", não só apoiados pela mídia cultural, como também recompensados por ela. Pois é, na época dava pra viver de poesia (risos)!

 

C.V. – Como nasceu o poeta lusófono Oleg Almeida? Que factores e circunstâncias fizeram com que, abrindo mão do seu idioma materno, passasse a escrever em português?

O.A. – Gostaria de frisar, desde logo, que os motivos da minha mudança para o Brasil, onde moro há cinco anos, não foram econômicos nem, muito menos, políticos, mas puramente sentimentais. Vim para casar-me com uma brasileira e construir nova vida ao lado dela. L'amor che move il sole e l'altre stelle é que me fez atravessar o Atlântico! O mesmo se refere ao meu "romance" com a língua portuguesa. Se não a amasse de coração, usá-la-ia para exprimir as minhas ideias e emoções? Todo amor é espontâneo e, por conseguinte, inexplicável. Quanto ao idioma russo que assimilei, como se diz, com o leite materno, em momento algum deixei de venerá-lo. Digo-lhe mais: ele me sustenta aqui no Brasil, já que, além de poeta, sou tradutor profissional.

 

C.V. – Podemos então deduzir que se deu bem com a sua mudança para o Brasil?

O.A. – A imigração tende a desvalorizar qualquer pessoa, o fato é notório! Quem muda de país adulto, vê-se obrigado a enfrentar imensas dificuldades, de certo modo voltando para trás e recomeçando a vida do nível zero. Nesse sentido, a minha experiência pessoal não foi das mais árduas: por um lado, tive a sorte de encontrar um bom emprego na área de traduções técnicas que subsidiou a minha estreia literária no Brasil; por outro lado, a família de minha esposa me tem tratado com toda a cordialidade, ajudando a resolver aqueles problemas que atormentam, creio eu, todos os imigrantes pelo mundo afora, e adaptar-me, pouco a pouco, à realidade brasileira. Tanto assim que eu acrescentei ao meu sobrenome – Andréev – o do sogro finado – Almeida. Dessa forma, Oleg Almeida não é pseudônimo, mas, sim, o nome real que consta, hoje em dia, da minha cédula de identidade.

 

C.V. – Parece-nos que a sua trajectória literária se assemelha à do seu conterrâneo e grande escritor Vladimir Nabókov… fale-nos um pouco a respeito disso.

O.A. – Oxalá tenha, ao menos, um terço do talento dele (risos)! Falando sério, Nabókov é um dos meus autores preferidos, tendo em vista, principalmente, seus livros escritos em russo e sobre a Rússia. O público lusófono conhece, antes de tudo, Lolita, romance impactante, polêmico e, talvez por isso mesmo, traduzido para a maioria das línguas mundiais, enquanto as demais obras do grande mestre – A defesa de Lújin e Convite para o suplício, por exemplo – muitas vezes lhe são inacessíveis devido ao hermetismo do original russo. No que respeita às semelhanças biográficas, que a amiga tem observado, elas existem, sim, ainda que sejam bastante superficiais: Vladimir Nabókov escreveu seu primeiro romance em inglês com, mais ou menos, 40 anos, e eu terminei o Memórias dum hiperbóreo um pouco mais novo, aos 36; ele ensinava as letras russas na Universidade Cornell (EUA), e eu, durante algum tempo, dava aulas num instituto particular de Brasília... Felizmente a minha situação no Brasil é bem diferente da de Nabókov nos Estados Unidos e outros países que ele percorreu! Ao sair da Rússia por causa da revolução comunista, Nabókov tinha tanta saudade dela que chegou a cogitar, no auge da Guerra Fria, a remota possibilidade de visitá-la à sorrelfa, com passaporte falso. Eu nunca me afastei por completo da Bielorrússia e, mesmo que nem sempre me entusiasme com a fase que ela está vivendo de uns anos para cá, faço de tudo para aproximá-la do Brasil, minha casa nova.

 

C.V. – Qual a sua opinião sobre a poesia brasileira contemporânea? E como avalia a sua actual situação?

O.A. – Há quem declare a poesia brasileira morta e enterrada, mas, para mim, os sinais vitais dela estão normalíssimos (risos)! Basta citar alguns nomes de projeção nacional: Antonio Cicero, Marco Lucchesi e Antônio Carlos Secchin no Rio de Janeiro; Cláudio Willer, Álvaro Alves de Faria e Izacyl Guimarães Ferreira em São Paulo; Antonio Miranda e Anderson Braga Horta em Brasília... bom, encerro a lista por medo de omitir alguém! Conheço vários outros poetas – Paula Cajaty no Rio e Abílio Pacheco no Pará, Cristiane Sobral em Brasília e Marcelo Ariel em São Paulo – que hão de conquistar seu espaço nas almas dos leitores, assim como nas estantes das livrarias. E os projetos editoriais da Câmara Brasileira de Jovens Escritores (Rio de Janeiro), da ONG paulista Celeiro de Escritores e do baiano Valdeck Almeida de Jesus que promovem novos autores por meio das antologias impressas e virtuais? Não... graças à criatividade inata e ao otimismo do povo brasileiro, a poesia continua viva neste país. O que lhe falta, a ela, é a divulgação. Sei que é utópico, mas, em vez de ruminar, dia após dia, os detalhes chocantes da violência urbana, corrupção e desvios psíquicos, a imprensa poderia dar mais atenção à literatura, tomando por norte, digamos, o famoso Suplemento Dominical do Jornal do Brasil que, nos anos 1950, era um verdadeiro porta-voz das artes brasileiras. É pena os tempos terem mudado...

 

C.V. – Como encara a poesia no global da literatura mundial dos nossos dias? E por que a poesia continua a ser no mercado livreiro um produto de vendas reduzidas, preferida apenas por um número restrito de leitores?

O.A. – Do ponto de vista comercial, a poesia fica cada vez mais marginalizada, cedendo lugar aos livros de autoajuda que mais nos assombram do que auxiliam. Esta é nossa atualidade que não tem, feitas as contas, nada de atual. Quantas pessoas, lá na Roma antiga, liam Catulo? – Umas dezenas de românticos e intelectuais que, pelo menos, sabiam ler. E quantas assistiam às batalhas de gladiadores? – Uma multidão infinita, praticamente toda a nação romana! E o que foi que aconteceu no decorrer dos séculos? Os nomes dos guerreiros mais aclamados caíram no total esquecimento, suas vitórias se tornaram pó, e os versos de Catulo continuam lidos e apreciados no mundo inteiro. A poesia é, por natureza, imaterial, não é? Dedicada à eternidade, ela não dá outro proveito senão um indefinível prazer estético. Será que se enquadrariam nos nossos padrões de consumo o raio de sol que entra, de manhãzinha, pela janela, o vento que balança a ramagem de uma bela árvore ou o sorriso da mulher amada? Claro que não! A poesia não se vende porque não tem preço.

 

C.V. – Na sua opinião, acha que a publicação virtual tem, ou não, vantagens em relação ao livro impresso?

O.A. – Depende... Como leitor, prefiro os livros tradicionais, ou seja, impressos. Contudo, o meu trabalho rotineiro se baseia em numerosos textos específicos e, para consultá-los, eu simplesmente não posso prescindir da Internet. Então é uma questão de preferências pessoais. Fora isso, pouco importa que o pai meio careta leia Bocage no papel e o filho, mais "pop", na tela do computador: Bocage é sempre Bocage!

 

C.V. – Fale-nos um pouco sobre a antologia Stéphanos que mantém na sua página virtual.

O.A. – Montei a Stéphanos com o fim de reunir, numa espécie de enciclopédia virtual, as mais variadas correntes da poesia lusófona contemporânea. No início do ano, apenas 6 poetas participavam desta antologia, e agora 44 autores luso-brasileiros evidenciam seu potencial criativo nas páginas dela. O projeto ainda está longe do seu término, mas acho que, em traços gerais, ele deu certo. Aliás, é só conferi-lo no meu sítio...

 

C.V. – Quer deixar-nos os seus planos literários para um futuro próximo?

O.A. – O que mais quero hoje, é escrever e, na medida do possível, publicar os meus versos! Tenho quatro livros inéditos: as versões portuguesas dos Pequenos poemas em prosa de Charles Baudelaire e dos Cantos de Bilítis de Pierre Louÿs, que fiz em homenagem ao Ano da França; a versão russa da peça teatral Tu país está feliz de Antonio Miranda; e o meu novo livro de poesia intitulado Quarta-Feira de Cinzas e outros poemas. Espero que consiga – se Deus quiser! – editá-los todos.

 

C.V. – Muito obrigada, amigo Oleg! A Revista EisFluências fica-lhe grata pela gentileza desta entrevista. E, para terminarmos, qual a sua visão crítica/literária em relação a esta nova publicação?

O.A. – A meu ver, a EisFluências – igual às outras mídias alternativas – está fazendo o que a imprensa oficial deixa de fazer. Por essa razão é que me solidarizo plenamente com as suas nobres atividades. Não é fácil preencher as lacunas culturais, de que acabei de falar, mas vale a pena tentarmos...

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