Oleg Almeida: poeta e tradutor
Alexandr Púchkin
Três poemas de amor
* * *
Eu lembro o milagroso instante
Em que, pela primeira vez,
Vi-te, beleza esvoaçante,
Espírito da candidez.
Na azáfama que eu defrontava,
Em meio a tantas aflições,
Com tua voz me confortava,
Sonhava com tuas feições.
Os anos dispersaram minhas
Quimeras, qual um vendaval,
E eu me esqueci da voz que tinhas,
Do teu semblante divinal.
Sozinho num sombrio recanto,
Vivia como na prisão,
Sem vida, sem amor, sem pranto:
Sem fé nem mais inspiração.
Eis que acordou minha alma amante,
Quando, pela segunda vez,
Vi-te, beleza esvoaçante,
Espírito da candidez.
E o pranto rompe de repente,
E o coração prodiga ardor:
Estão comigo novamente
A fé, a inspiração, o amor.
* * *
Sobre as colinas da Geórgia anoiteceu.
O Aragva flui na minha frente,
Ruidoso. É triste, mas sereno o sonho meu
Cheio de ti, de ti somente.
Sem nada me inquietar, tomado de calor,
Estou: nem que de ti me aparte,
Há de queimar este meu coração de amor
Por não poder deixar de amar-te.
* * *
Amei-vos. Meu amor talvez subsista
No fundo de minha alma, bem ou mal.
Contudo não temais que eu nele insista:
Não quero que vos aflijais com tal.
Amei, desesperado de ciúme,
Com toda a timidez que um homem tem,
Mas tão sincero como queira o nume
Que venha a amar-vos inda mais alguém.
Alexandr Serguéievitch Púchkin (1799-1837): o maior poeta russófono de todos os tempos, criador da língua russa contemporânea, autor de numerosos poemas antológicos (Ruslan e Liudmila, A fonte de Bakhtchissarai, Ciganos, Poltava, O cavaleiro de cobre, entre muitos outros), do célebre "romance em versos" Evguêni Onêguin, de diversas obras dramáticas (Boris Godunov, Pequenas tragédias) e prosaicas (Contos de Bêlkin, A dama de espadas, A filha do capitão).