Oleg Almeida: poeta e tradutor
Pierre Louÿs
Os cantos de Bilítis: romance lírico
38. Bilítis
Uma mulher se envolve em lã branca. Uma outra se veste de seda e d’ouro. Uma outra ainda se cobre de flores, de folhas verdes e uvas.
Eu cá só saberia viver toda nua. Toma-me, meu amante, como estou: sem vestido nem joias e nem sandálias, eis Bilítis sozinha. Os meus cabelos são negros por serem negros, e os meus lábios, vermelhos por serem vermelhos. Meus cachos me cingem a flutuar, livres e anelados como uma plumagem.
Toma-me tal como minha mãe me fez numa noite d'amor distante e, se gostares de mim assim, não te esqueças de me dizer isso.
39. A casinhola
A casinhola, onde fica o leito dele, é a mais bela da terra. Ela é feita de ramos d'árvore, quatro paredes de terra seca e um telhado de palha.
Amo-a, pois aqui nos deitamos desde que as noites estão fresquinhas; e mais as noites estão fresquinhas, mais estão longas também. Afinal, ao chegar do dia, sinto-me fatigada.
O colchão está no solo; duas cobertas de lã preta embrulham os nossos corpos que se aquecem um contra o outro. O peito dele achata meus seios. Meu coração bate...
Ele me aperta tão forte que acabará por quebrar-me, pobre mocinha que sou; mas desde que está em mim, eu não sei mais nada do mundo, e cortar-me-iam os quatro membros sem que eu acordasse da minha alegria.
43. O juramento
"Quando a água dos rios tornar a subir às cristas cobertas de neve; quando nos regos móveis do mar semearem cevada e trigo.
Quando os pinheiros nascerem dos lagos e os nenúfares, dos rochedos; quando enegrecer o sol, quando a lua cair no relvado.
Então, só então é que vou tomar outra mulher e esquecer-te, Bilítis, alma da minha vida, cerne do meu coração."
Ele me disse, ele me disse isso! Que importa o resto do mundo! Onde estás, louca felicidade que te compares à minha?
44. A noite
Agora sou eu quem vai procurá-lo. Todas as noites, bem de mansinho, eu saio de casa e, para vê-lo dormir, tomo um longo caminho até o seu prado. Às vezes, fico por muito tempo calada, feliz apenas de vê-lo, e aproximo meus lábios dos dele para beijar tão só seu alento.
Depois me estendo, de supetão, sobre ele. Ele acorda nos braços meus e não pode mais levantar-se, que eu reluto! Ele desiste e ri, e aperta-me. Assim nós brincamos nas trevas.
... Primeira alva, ó claridade malvada, tu já vieste! Em que antro sempre noturno, em que prado subterrâneo poderemos amar-nos o suficiente para nos esquecermos de ti?..
106. Eu canto a minha carne e minha vida
Claro que não cantarei as amantes célebres. Se não estão mais aqui, para que falar delas? Não sou semelhante a elas, eu mesma? Não sonho demais comigo? Vou esquecer-te, ó Pasipháe, se bem que tua paixão tenha sido extrema. Não te louvarei, Syrinx, nem a ti, Byblis, nem a ti, pela deusa entre nós todas eleita, Helene dos braços alvos! Se alguém sofreu, só sinto um pouco de seu sofrimento. Se alguém amou, amo mais do que ele. Eu canto a minha carne e minha vida, e não a sombra estéril das amorosas já enterradas. Fica deitado, meu corpo, conforme a tua missão lasciva! Fica saboreando o gozo cotidiano e as paixões sem futuro. Não deixes uma alegria desconhecida aos pesares do dia de tua morte.
136. Canção
O primeiro me deu um colar, um colar de pérolas que valia uma cidade com seus palácios e templos, tesouros e escravos.
O segundo fez para mim uns versos. Ele dizia que meus cabelos eram negros como os da noite sobre o mar, e meus olhos, azuis como os da manhã.
O terceiro era tão lindo que a mãe dele corava ao abraçá-lo. Ele me pôs as mãos nos joelhos, beijou-me o pé descalço.
Tu não me disseste nada. Tu não me deste nada, porque és pobre. E não és lindo, mas é a ti que eu amo.
137. Conselhos a um amante
Se quiseres, ó jovem amigo, que uma mulher te ame, seja ela quem for, não lhe digas que a desejas, mas faz com que ela te veja todos os dias, depois vai embora para voltares.
Se ela te dirigir a palavra, sê amoroso sem pressa alguma. Ela virá, por si mesma, a ti. Sabe, então, tomá-la com força, no dia em que ela quiser entregar-se.
Quando a receberes na tua cama, negligencia teu próprio prazer. As mãos duma mulher amorosa estão trementes e sem carícias. Dispensa-as de serem zelosas.
E quanto a ti, não descanses. Prolonga os beijos até se perder o fôlego. Não a deixes dormir, mesmo que ela te peça. E beija sempre aquela parte do corpo para a qual se virarem os olhos dela.
Pierre Louÿs (1870-1925), escritor francês. Principais obras: coletânea poética Os cantos de Bilítis (1894) e romances Afrodite: costumes antigos (1896), A mulher e o fantoche (1898) e Três filhas de sua mãe (1926).