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Entrevista concedida a Margarida Patriota para o programa "Autores e Livros" da Rádio Senado e transmitida em 27 e 28 de outubro de 2007

Margarida Patriota: Olá, caros ouvintes! Nosso entrevistado de hoje é o amigo dos livros Oleg Andréev Almeida, nascido em 1º de abril de 1971 na Bielorrússia, que naquela época fazia parte da União Soviética. Formado em Letras e com pós-graduação em Gestão Financeira, Oleg Almeida seguiu a carreira de analista e executivo na área comercial. Com mais de 30 anos de idade, veio radicar-se no Brasil. Desde então mora em Brasília e trabalha como tradutor do idioma russo. Casou-se com uma brasileira, que conheceu em Moscou em 2004. Veio para Brasília em 2005, mas já publica, em português, poemas que vamos ouvir. Vamos ouvir o poema Pouco importa.

Oleg Almeida: Esse poema faz parte do meu ciclo intitulado A lua morena, que vai ser uma espécie de romance em versos sobre o amor de um estrangeiro radicado no Brasil e uma moça brasileira, muito mais nova do que ele, que se conheceram por acaso... e foi um grande amor, digamos assim, à primeira vista. Então, Pouco importa... 

 

Pouco importa, menina linda,

que você calce sapatos de salto raso,

que dê gargalhadas a todo propósito,

que fume cigarro sobre cigarro,

dizendo que, lá no mundo das artes,

esse pecado é dos menores.

 

Pouco importa, menina doida,

que você goste de bater papo

sem nunca discernir o bom do ruim, o caro do baratíssimo;

que tinja a cabeleira de não se sabe que cor:

a gente vê e só encolhe os ombros;

que não entenda de etiqueta nem de política.

 

Pouco importa, menina minha,

que você sempre me sirva um jantar esturrado,

voltando eu do trabalho com fome,

e fique choramingando, quando reparo nisso,

como se no estômago

meu coração residisse.

 

Pouco importa, enfim, que você tenha

montes de pechas miúdas e perdoáveis!

O importante é que a vida nos outorgou a chance,

a única e divina chance de vermos o céu altivo de perto,

e que os beijos seus, em vez de saber a chiclete,

sabem a primavera...

 

MP: Essa construção "saber a chiclete" e "sabem a primavera" é muito castiça, muito erudita no português do Brasil. Como é que Oleg Almeida, com dois anos aqui no Brasil, já escreve poesia com essa desenvoltura? Minha pergunta seria a seguinte: você já escrevia poemas em bielorrusso, antes de vir para cá?

OA: Na verdade, eu comecei a escrever muito cedo... Eu sempre gostei de versos e de literatura em geral, e comecei a escrever com, mais ou menos, 9 anos de idade: uns contos infantis, depois umas poesias... Passei a escrever em português só aqui no Brasil, pelo próprio fato de achar que tinha alguma coisa a contar aos leitores brasileiros sobre mim mesmo, sobre as minhas ideias, as minhas experiências, talvez sobre a cultura da Rússia, da Bielorrússia e da antiga União Soviética, que continua sendo pouco conhecida no Brasil. Inclusive, para isso mesmo eu trabalho como tradutor do idioma russo: para tentar, no que depender de mim, de certa forma aproximar as duas culturas tão distantes geograficamente e tão diferentes... E quanto ao meu primeiro conhecimento da literatura brasileira, ele data de 1985 ou 1986. Eu tinha apenas 15 anos e li, por mero acaso, a versão russa de uma obra totalmente fantástica – Marília de Dirceu de Tomás Antônio Gonzaga. Naquela época, fiquei profundamente impressionado com esses versos belíssimos e, muito mais tarde, já sabendo mais ou menos o português, tive a oportunidade de conferir o texto original de Tomás Antônio Gonzaga com a tradução russa, aliás, muito bem feita, muito interessante estilisticamente, e com isso começou o meu conhecimento da literatura brasileira, a minha amizade com a literatura brasileira, e depois... também foi um amor à primeira vista.

MP: Oleg Almeida tem o diploma em Literatura... ou, não sei se é Literatura ou Língua... em Letras Francesas, não é?

OA: Sim, em Letras Francesas, exatamente...

MP: O francês ajudou... foi uma porta para o português?... O francês ajuda na compreensão da língua portuguesa?

OA: De certa forma, foi mesmo, porque os dois idiomas, o francês e o português, pertencem à mesma família das línguas românicas. E, aprendido o francês, eu já tinha alguma base para depois passar a estudar o português. Infelizmente o meu estudo da língua portuguesa foi muito difícil, muito complicado, porque eu estudava sozinho, sem ninguém me ajudar, lendo e, pode-se dizer assim, decifrando os textos dos autores brasileiros e portugueses, tentando entender o sentido, aprendendo novas palavras e frases. Só quando vim ao Brasil, quando me radiquei aqui (foi em 2005), conversando com minha mulher, com os parentes dela e com meus novos amigos, é que o processo de estudo do idioma português avançou muito mais rápido e com muito mais desenvoltura.

MP: Que aspectos do português Oleg Andréev Almeida considera os mais difíceis para um falante do bielorrusso e do russo? 

OA: Na verdade, são dois idiomas totalmente diferentes... Por exemplo, a língua portuguesa tem artigos definidos e indefinidos; a língua russa não possui nenhum artigo. A mesma coisa acontece com as declinações, que existem e são amplamente usadas no âmbito do idioma russo e, ao mesmo tempo, não fazem parte do idioma português. Mas, por outro lado, essa diferença mesma é muito interessante para quem gostar realmente de um idioma estrangeiro, no meu caso, do idioma português. Foi, como já disse, uma espécie de amor à primeira vista: eu fiquei muito interessado em estudá-lo e espero ter alcançado certos resultados.

MP: Eu gostaria que Oleg Almeida nos falasse um pouco do conhecimento que ele teve da poesia brasileira, tanto aqui ou, antigamente, na Bielorrússia de onde ele veio: que poetas da nossa literatura conhece, cuja obra lhe é familiar?

OA: Na verdade, eu já disse que a Rússia e, mais ainda, a Bielorrússia, que é um país pequeno, agora um Estado independente que antigamente fazia parte da União Soviética, conhecem pouco a cultura e, notadamente, a literatura brasileira, porque são dois mundos muito afastados e muito diferentes no que diz respeito ao caráter nacional, à cultura, às particularidades da mentalidade nacional e assim por diante. Eu descobri tudo isso depois de vir ao Brasil, já aqui em Brasília e viajando um pouco pelo país... De qualquer maneira, os maiores poetas da língua portuguesa e os poetas mais famosos do Brasil como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Murilo Mendes, Vinicius de Moraes foram, ainda nos anos 50, 60 e 70, traduzidos – pelo menos, as obras mais relevantes deles – para o idioma russo e publicados nas antologias e coletâneas de poesia brasileira e, num sentido mais amplo, latino-americana, em Moscou, Leningrado, que agora é São Petersburgo, e outras cidades da Rússia e da Bielorrússia também.

MP: Houve algum contato com os poetas do século XIX, os grandes poetas como Gonçalves Dias e Castro Alves?

OA: Mais ou menos... Os especialistas em letras brasileiras e portuguesas – que eu saiba, só as universidades de Moscou e de São Petersburgo fazem esse tipo de cursos –... são os especialistas que conhecem, é claro, Gonçalves Dias, Castro Alves, Casimiro de Abreu, vários poetas do século passado, do século XIX, mas quanto ao público em geral, aos leitores do idioma russo, não... acho que essa poesia não tem muita projeção.

MP: Não, eu perguntava pelo seu caso particular: teve algum contato?...

OA: Claro! Eu comecei a interessar-me pela literatura brasileira, e a minha descoberta do Brasil, a minha viagem através das letras brasileiras começaram pelas obras do século XX, mais modernas e mais fáceis de serem entendidas no contexto dos dias de hoje, porque são as mesmas ideias, as mesmas preocupações, o mesmo estilo e modo de pensar, apesar de todas as particularidades, de todas as diferenças culturais, históricas e políticas. Depois veio um interesse mais profundo pela poesia e pela literatura do século XIX. Por exemplo, quando eu comecei a estudar seriamente o idioma português, usava dois livros: um livro do século XIX, O alienista de Machado de Assis, para entender mais do português clássico, literário e incrivelmente puro de Machado de Assis, e o outro livro, mais moderno e mais descontraído, digamos assim: Crônicas de Luís Fernando Veríssimo, escritas numa linguagem de todos os dias, numa linguagem muito informal, que representam exatamente a fala de hoje.

MP: Que traduções, que gênero de traduções Oleg Almeida faz atualmente, aqui em Brasília? São traduções literárias?

OA: Não. Hoje em dia, eu me ocupo de traduções altamente técnicas, principalmente, na área médica. Já faz dois anos que traduzo vários tipos de textos nessa área, e só estou pensando em fazer algumas traduções literárias, tentando tomar contato com as editoras, procurando novos rumos de tradução. É que a literatura russa também – russófona, digamos assim – não tem muita projeção no Brasil, bem como a literatura brasileira continua pouco conhecida, ou quase desconhecida, na Rússia.

MP: A literatura russófona contemporânea, talvez, mas a clássica... ela é uma referência para todos os nossos grandes escritores.

OA: Claro! Tais autores como Dostoiévski, Tolstói, Tchêkhov, Púchkin... Eu fiquei agradavelmente impressionado pela quantidade das traduções de livros dos grandes mestres da literatura russa que encontro a cada passo, nas bibliotecas e nas livrarias, aqui no Brasil. Infelizmente não se pode dizer a mesma coisa da literatura dos nossos dias que não é...

MP: Não é muito difundida...

OA: ... nem muito conhecida aqui no Brasil.

MP: Para terminar, que nosso tempo é curto, gostaria de saber se Oleg Almeida pretende ser um poeta de língua portuguesa.

OA: Pretendo, sim.

MP: Mas não em seu idioma nativo? Sua ideia é mesmo ser um poeta de língua portuguesa?

OA: É que, hoje em dia, tendo bastante ampla experiência de versos russos... eu acho que a música, as melodias da língua portuguesa correspondem mais e melhor aos meus sentimentos e pensamentos de hoje. E, pelo menos por enquanto, eu pretendo continuar escrevendo poesias em português e futuramente – quem sabe, no ano que vem ou daqui a dois anos, dependendo do meu horário e também da minha disponibilidade –, lançar um livro. Como já disse no início do programa, eu tenho, pelo menos, alguma coisa a contar aos leitores, aos ouvintes, ao público brasileiro em geral.

MP: Muito bem... Sucesso, desde já, para os seus projetos. Vamos torcer e acompanhar a sua trajetória, Oleg Almeida, aqui no Brasil.

OA: Obrigado. 

MP: Acabamos de conversar com o tradutor do russo e poeta estreante em língua portuguesa Oleg Almeida. O programa "Autores e Livros" se despede: até breve e fiquem com os livros.

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